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Batismo pelos mortos

O que o apóstolo Paulo quis dizer em 1 Coríntios 15:29?

O que o apóstolo Paulo quis dizer em 1 Coríntios 15:29?

Ángel Manuel Rodríguez

Imagem: Adobe Stock

Interpretar esse texto é complicado por uma série de razões. Em primeiro lugar, o texto é bastante sucinto, e Paulo não o desenvolve em detalhes. Além disso não há outra menção a essa prática no restante do Novo Testamento. Finalmente, o versículo parece incompatível com o que o apóstolo afirmou sobre o batismo em outro trecho.

Como resultado, há várias interpretações contraditórias entre os exegetas bíblicos. Um comentarista lista aproximadamente 40 explicações possíveis. Essa diversidade torna difícil fornecer uma resposta que seja definitiva ou conclusiva. Tudo o que Paulo disse tinha valor específico apenas para os coríntios.

Contudo, deixe-me abordar duas interpretações que parecem ser as mais promissoras. Antes de tudo, o estudo do contexto deve ser sempre o primeiro passo. Em 1 Coríntios 15, Paulo considerou a realidade da ressurreição de Cristo para reforçar o ensinamento cristão acerca da ressurreição dos mortos. Os versos próximos tratam das consequências de rejeitar a ressurreição.

Por exemplo, Paulo afirmou que, se não existe ressurreição dos mortos, é insensatez arriscar a vida para pregar o evangelho (v. 30). Se não há ressurreição, devemos apenas aproveitar o momento: “comamos e bebamos” (v. 32). Se a ressurreição não existe, “que farão os que se batizam pelos mortos?” (v. 29, ARC). As demais consequências são relativamente fáceis de entender, porém a última, não.

Batismo vicário. Uma das interpretações mais frequentes é a de que Paulo mencionou o batismo vicário, ou seja, o ato de alguém ser batizado em nome de uma pessoa que morreu antes de ser batizada com o objetivo de garantir a salvação do falecido. Segundo essa interpretação, Paulo não estaria apoiando nem condenando a prática. Ele a utilizou apenas para evidenciar a incoerência daqueles que negam a ressurreição dos mortos, mas ao mesmo tempo, permitem-se ser batizados ou permitem que outros sejam batizados em nome dos mortos.

Embora esse ponto de vista pareça lógico, ele está longe de ser incontestável. Em primeiro lugar, não há provas de que o batismo vicário tenha sido praticado durante o período apostólico. No entanto, sabemos que ele se tornou comum entre certos grupos de cristãos heréticos nos séculos seguintes, possivelmente influenciados pela interpretação desse texto em particular. Em segundo lugar, sugere que o batismo é um requisito essencial para a salvação, conceito que não parece estar presente na teologia do batismo de Paulo. Em terceiro lugar, considerando que o batismo exige um ato de fé e o falecido não é capaz de realizá-lo, é improvável que o apóstolo tenha desculpado ou ignorado essa prática supersticiosa. Esses argumentos se fundamentam tanto em dados históricos quanto em uma compreensão da teologia paulina que parece descartar essa interpretação específica.

Novos conversos. Outra hipótese, defendida por vários intérpretes, é que a expressão “os que se batizam pelos mortos” alude a novos conversos que, após a morte de um parente ou amigo cristão, sentem-se impulsionados a se tornarem cristãos para poderem se reunir com eles na ressurreição. Essa proposta se baseia no fato de que a preposição grega hyper, “pelos”, pode ser interpretada como “por causa de” (cf. NAA), o que não implica uma conotação vicária. “Por causa de” deveria, portanto, ser interpretado como “tendo em vista o interesse do falecido”, ou seja, atendendo ao desejo dos cristãos já falecidos de ver seus parentes se convertendo ao cristianismo. Devido a essa preocupação, esses indivíduos são batizados pelos mortos.

Essa interpretação é viável do ponto de vista linguístico e está em consonância com, ou pelo menos não contradiz, a teologia do batismo presente no Novo Testamento. Ademais, ela se adapta à questão: “Quem são aqueles que são batizados pelos mortos?” Eles deixarão a fé cristã agora que estão aprendendo que a ressurreição dos mortos não existe?

A forma como Paulo expressa sua ideia parece confusa e pouco clara. Seria mais apropriado dizer: “Aqueles que creem por causa dos mortos” em vez de “os que se batizam”. Viver com incertezas é desafiador, mas, nesse caso, o intérprete deve admitir que há trechos bíblicos que não são totalmente compreendidos. 

ÁNGEL MANUEL RODRÍGUEZ, pastor, professor e teólogo aposentado, foi diretor do Instituto de Pesquisa Bíblica

(Artigo publicado na seção “Boa Pergunta” da Revista Adventista de setembro/2025)

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